“Concentração no futebol tem de ser abolida a partir de dezembro de 2014, porque meu mandato acaba no fim do ano. Aí eu não vou ter de sair de madrugada atrás de jogador. Se soltar, meu amigo, a torcida vai pegar um monte na rua, na farra, na putaria… Eu sou a favor do seguinte: todo mundo concentrado com namorada, mulher, amante, puta ou o que for dentro do quarto. Se bem que mulher enche o saco do cara também, né? Tem isso. Aí o jogador vai reclamar: ‘Trazer minha mulher pra cá bem na hora que eu tenho paz? Puta que pariu, que presidente escroto!’”
O depoimento acima, mantidas as licenças tipicamente desbocadas, foi concedido ao blog por Alexandre Kalil no fim do ano passado. O presidente justificava a existência de concentração no Atlético, que por diversas vezes, ainda sob o comando de Cuca, chegou a antecipar o confinamento dos jogadores em até dois dias antes de cada jogo.
Na mesma semana em que Ronaldinho Gaúcho se despediu de Belo Horizonte, o técnico Levir Culpi revogou a lei de Kalil e aboliu o regime de concentração na Cidade do Galo.
Não se trata de pioneirismo. O Internacional, de Abel Braga, já havia feito o mesmo no começo do ano sob influência dos grandes clubes europeus. Diferentemente de Portuguesa, Vasco e Botafogo, o fim da reclusão dos colorados não foi fruto de um motim por salários atrasados, mas sim de uma decisão que partiu do clube.
E, diferentemente de Abel no Inter, Levir não conta com o respaldo da diretoria atleticana. A medida é um risco que resolveu bancar. Afinal, jogadores se cansaram de jogar dominó e videogame uns com os outros enquanto poderiam estar com suas famílias – ou fazendo o que bem entenderem.
Concentração não ganha jogo, e com isso o próprio Kalil concorda. Mas o excesso na privação de liberdade do elenco, por outro lado, pode ser desastroso. Em 2012, muitos jogadores torceram o nariz para a concentração antecipada de Cuca. Para alguns, foi o fato determinante para a perda do título brasileiro.
Apesar dos bons resultados, o técnico não cedia e chegou até a bater de frente com Ronaldinho. Diego Tardelli, outra referência do time, também não suportava mais o regime fechado de Cuca no ano passado. Ajudou a convencer Levir a dar o voto de confiança.
O time venceu seu primeiro compromisso sem concentração, diante do Atlético-PR. O Inter, que não se concentra desde março, briga por título no Brasileiro. Qualquer tentativa de relacionar confinamento a taças e vitórias é estupidez, assim como associar futuras derrotas do Atlético à falta de concentração.
Levir trabalha com a realidade. Sabe que concentrar não ganha nem nunca ganhou jogo algum. E que os jogadores podem render melhor longe de um ambiente que remete aos tempos de amadorismo do futebol.
Por décadas os clubes pressupõem que prender jogadores é a única solução para afastá-los da noite e das farras. E há, sobretudo entre dirigente e torcedores, quem acredite cegamente nisso. Na verdade, esse paternalismo, essa mania de se comportar como babás, é que os fazem reféns da própria falta de profissionalismo.
A superproteção cria boleiros mimados desde a base, acostumados a ter tudo na mão, cientes de que seus deslizes serão sempre computados na cartilha dos patriarcas, e não na responsabilidade que deveriam assumir como qualquer outro trabalhador.
Que, ao contrário do caso Jô, “desaparecido” depois do último jogo, torcedores não tentem culpar o técnico por eventuais pisadas de bola dos jogadores. Cada um responde por sua conduta e por seus atos.
A grande, porém tardia, sacada de Levir é óbvia: o atleta deve ser tratado como um profissional qualquer, não como popstar. Médicos, pilotos ou engenheiros não precisam de concentração para cumprir suas obrigações. Jogadores, muito menos.
ATUALIZAÇÃO – 16h29
Em contato por meio da assessoria de imprensa, a diretoria do clube afirma que deu aval à medida de Levir Culpi, embora o diretor de futebol Eduardo Maluf não acredite no êxito da política adotada pelo técnico.
ATUALIZAÇÃO 2 – 13/11
Na final da Copa do Brasil e ainda na briga pelo título brasileiro, o Atlético acumula 13 vitórias e um empate em jogos como mandante desde o fim da concentração na Cidade do Galo.
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